Indenização da União em decorrência de lavra irregular ou clandestina. Sentença Judicial.
Abaixo texto parcial de interessante sentença exarada pelo MM. Juiz da 2ª Vara Federal de Joinville, em maio/2016, na qual o Magistrado entendeu que a indenização requerida pela Advocacia Geral da União (AGU), com base na cubagem feita pelo DNPM da areia extraída em lavra irregular ou clandestina, é devida somente no montante da CFEM devida pela extração irregular mensurada, e não no valor atribuído pelo DNPM, ou seja, com base no preço comercial da areia na região de Joinville.
OBS.: É clandestina a lavra de minério realizada sem autorização da União (DNPM). Enquadra-se na mesma hipótese a extração realizada além (fora) do perímetro do título de lavra.
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Poder Judiciário
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária de Santa Catarina
2ª Vara Federal de Joinville
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5000523 – ……..
AUTOR: UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
RÉU:
SENTENÇA
Trata-se de ação civil pública ajuizada pela União em face de……………….Ltda., objetivando a condenação da ré ao ressarcimento da quantia de R$ 712.803,43 (setecentos e doze mil, oitocentos e três reais e quarenta e três centavos) e de outros valores que se comprovem necessários no curso da instrução processual, em razão de alegada lavra clandestina de areia.
(…) Assim, resta demonstrada a extração irregular de minério pela empresa ré, uma vez que não comprovou ter autorização para a sua extração.
Pois bem, partindo do pressuposto que há lavra ilegal, exsurge o dever de ressarcimento pecuniário ao Erário.
Nos termos do Parecer nº 97/2014 do DNPM (evento 80, PROCADM9, pág. 19/23), que deve ser acolhido em face da desistência da produção da prova pericial pela ré que visava afastar a presunção de legitimidade do ato administrativo do DNPM, a quantidade total de areia extraída ilegalmente a ser indenizada é de 26.890,5 m3 ou 40.335,75 t, até 07/07/2014 (data da lavratura do auto de paralisação).
A Constituição Federal, a par de estabelecer que os recursos minerais são bens da União, assegura ao concessionário da lavra, desde que exista concessão regularmente outorgada, o produto de sua exploração (arts. 20, IX, e 176).
É dizer, a União é proprietária das jazidas, mas não dos produtos minerais:
O artigo 176 — ainda que o artigo 20, IX da CB estabeleça que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são bens da União — garantiu ao concessionário da lavra a propriedade do produto da sua exploração, sem estipular qualquer restrição a ela, do que decorre a conclusão de que, existindo concessão de lavra regularmente outorgada, a propriedade sobre o produto da exploração é plena.
É erro nefando o de confundir os recursos minerais — inclusive os do subsolo, que são bens da União — isto é, as jazidas, com o que se extrai delas.
(trecho do voto do Ministro Eros Grau, no julgamento perante o Pleno Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.366-2, DJ de 2.3.2007- destaquei).
Assim sendo, a extração irregular de areia por parte da ré não diminuiu o patrimônio da União no montante apontado na petição inicial.
Isso porque a União não comercializa areia, apenas concede a lavra do minério e, em contraprestação, recebe a compensação financeira pela exploração de recursos minerais (CFEM), prevista no art. 20, §1º, in fine, da Constituição Federal, e regulamentada pelo art. 6º da Lei n. 7.990, de 28 de dezembro de 1989, e pelo art. 2º da Lei n. 8.001, de 13 de março de 1990.
O ressarcimento por dano material pressupõe a efetiva diminuição do patrimônio da vítima, seja esse patrimônio presente – dano emergente – ou futuro – lucro cessante (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 344).
O valor comercial da areia extraída pela ré não integrou e em nenhuma hipótese integraria a esfera patrimonial do ente político central, que, na situação mais favorável (a de concessão regular de lavra), faria jus à CFEM devida.
Assim, o ressarcimento devido à União não corresponde ao preço comercial do minério extraído em excesso, como singelamente calculou a autora.
É certo que a conduta da ré não pode ser tolerada, sob pena de se entender que a concessão de lavra é desnecessária.
Ocorre que a lavra irregular possui reprimendas específicas previstas no art. 63 do Código de Minas (Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, com a redação dada pela Lei n. 9.314, de 14 de novembro de 1996), in verbis:
Art. 63. O não cumprimento das obrigações decorrentes das autorizações de pesquisa, das permissões de lavra garimpeira, das concessões de lavra e do licenciamento implica, dependendo da infração, em:
I – advertência;
II – multa; e
III – caducidade do título.
§ 1º. As penalidades de advertência, multa e de caducidade de autorização de pesquisa serão de competência do DNPM.
§ 2º. A caducidade da concessão de lavra será objeto de portaria do Ministro de Estado de Minas e Energia.
Desse modo, a lavra irregular acarreta as sanções de advertência, multa ou caducidade do título, mas não o pagamento à União do valor comercial do minério extraído.
Nos termos do art. 67 do Código de Minas, o titular permanece com a propriedade dos bens que possam ser retirados sem prejudicar o conjunto da mina, mesmo nas hipóteses de nulidade ou caducidade da concessão, salvo nos casos de abandono.
A perda do produto da lavra somente é possível no âmbito da responsabilização penal, na forma do art. 21, parágrafo único, da Lei n. 7.805, de 18 de julho de 1989:
Art. 21. A realização de trabalhos de extração de substâncias minerais, sem a competente permissão, concessão ou licença, constitui crime, sujeito a penas de reclusão de 3 (três) meses a 3 (três) anos e multa.
Parágrafo único. Sem prejuízo da ação penal cabível, nos termos deste artigo, a extração mineral realizada sem a competente permissão, concessão ou licença acarretará a apreensão do produto mineral, das máquinas, veículos e equipamentos utilizados, os quais, após transitada em julgado a sentença que condenar o infrator, serão vendidos em hasta pública e o produto da venda recolhido à conta do Fundo Nacional de Mineração, instituído pela Lei nº 4.425, de 8 de outubro de 1964. (destaquei).
Portanto, a expropriação de minério extraído irregularmente somente pode ocorrer como efeito de condenação penal definitiva por crime de lavra clandestina. Além disso, o produto da renda não se destina ao patrimônio da União, mas sim ao Fundo Nacional de Mineração.
Consequentemente, sob o aspecto da reparação patrimonial, a União faz jus apenas à CFEM, que seria a contraprestação devida pela exploração da jazida. Esse é o único ressarcimento, no âmbito cível, a que faz jus a União pela exploração de recursos minerais. E, frise-se, nem poderia ser diferente, porquanto não é admissível que a União venha a auferir, em decorrência da lavra ilícita, valor em muito superior ao que lhe seria devido caso a lavra fosse lícita.
É o que se depreende do disposto no art. 944 do Código Civil:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.(grifo meu)
O objetivo da indenização – tornar indene – é a reparação proporcional ao dano sofrido pela vítima. Nem mais, nem menos. Não pode a indenização proporcionar lucro à vítima, ganho que não auferiria acaso o dano não houvesse ocorrido.
Em conclusão, no caso em tela, a extração, mesmo que irregular, somente gera a empresa ré o dever de pagar a contraprestação pecuniária – CFEM – à União.
Nesse passo, nos termos do Parecer nº …/2014 do DNPM, a quantidade total de areia extraída ilegalmente a ser considerada para o cálculo da CFEM devida é de 26.890,5 m3 ou 40.335,75 t.
Na falta de comprovação do efetivo tempo de lavra indevida deve ser considerado o período de 15/01/2014 (data da denúncia da lavra irregular) até 07/07/2014 (data da lavratura do auto de paralisação).
Desta forma, o pedido deve ser julgado procedente para que a ré seja condenada a pagar à União indenização equivalente ao valor da CFEM, referente ao período de 15/01/2014 a 07/07/2014, cujo montante deverá ser apurado em liquidação.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido, extinguindo o feito com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), para condenar a ré a pagar à União indenização equivalente ao valor da CFEM, referente aos meses de janeiro a julho/2014, cujo montante deverá ser apurado em liquidação, devendo ser descontados os valores efetivamente pagos a este título que vierem a ser comprovados, devendo os valores devidos ser corrigidos desde a data em que deveriam ter sido pagos até a data do efetivo pagamento, pela taxa SELIC.
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Lúcio A. Boppré – Assessor Jurídico do SINDIPEDRAS/SC – agosto/2016