Por Leonam dos Santos Guimarães (*)
A questão do desenvolvimento sustentável é, indubitavelmente, uma das mais árduas que se colocam aos tomadores de decisão em todos os níveis, sejam públicos ou privados. Neste terreno, idéias realmente inovadoras se misturam constantemente às mais estapafúrdias utopias, e grandes impulsos de humanismo generoso mesclam-se a hipocrisias com variadas motivações. Deste modo, torna-se hoje urgente alcançar uma clarificação dos principais conceitos envolvidos se quisermos realmente evitar as verdadeiras catástrofes ecológicas que se vislumbram para um futuro mais ou menos próximo.
O desenvolvimento sustentável pretende criar um modelo econômico capaz de gerar riqueza e bem-estar e, ao mesmo tempo, promover a coesão social e impedir a destruição da natureza. Por isso coloca na berlinda o modelo de produção e consumo ocidental, que ameaça o equilíbrio do planeta.
A primeira interpretação do termo, que considera incompatível o desenvolvimento econômico com respeito ao ambiente, foi lançada em 1972 em um informe do chamado “Clube de Roma”. Esse enfoque, entretanto, por ser solidário apenas em relação à natureza e não aos países em desenvolvimento, é altamente criticável pela sua inerente assimetria, na medida que esses países não poderiam interromper um crescimento em direção a um desenvolvimento que ainda não foi atingido. Essa crítica conduziu à interpretação atual, que abrange os aspectos econômicos (crescimento do Terceiro Mundo), sociais (integração e solidariedade entre os Hemisférios Norte e Sul) e ambiental (preservação dos bens mundiais de todos e regeneração dos recursos naturais).
O governo brasileiro adota a definição utilizada pelo documento “Nosso futuro comum”, publicado em 1987, também conhecido como Relatório Bruntland, em que se concebe o desenvolvimento sustentável como sendo “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Esse relatório, elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento criada pelas Nações Unidas presidida pela então Primeira-Ministra da Noruega, Gro-Bruntland, faz parte de uma série de iniciativas que reafirmam uma visão crítica do modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, em que se ressaltam os riscos do uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas. O relatório aponta para a incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo vigentes.
A formulação do conceito de desenvolvimento sustentável implica, então, o reconhecimento de que as forças de mercado, abandonadas a sua livre dinâmica, não garantiriam a não-destruição dos recursos naturais e do ambiente, ou seja, os objetivos conflitantes do desenvolvimento econômico se tornariam incompatíveis no longo prazo.
Analisando-se esse conceito numa perspectiva histórica recente, pode-se verificar que estamos tratando de uma resposta ecológica e socializante ao ideário neoliberal, já que a noção de “compatibilidade a longo prazo” nasceu da crítica ultraliberal dos discípulos de Hayek, agrupados notadamente na Universidade de Chicago, às distorções monetárias praticadas correntemente após 1945 pelos Estados desejosos de dinamizar a qualquer preço seu crescimento, baseando-se, muitas vezes de forma equivocada, nas idéias de Keynes que, falecido em 1946, já não podia responder a estas argumentações.
Os “Chicago boys” explicavam que a inflação crônica que essas práticas provocavam acabaria por tornar insustentável o crescimento assim “turbinado”. As distorções do sistema de preços, o encarecimento progressivo das importações, as altas especulativas de certos bens e a escassez em outros setores levariam ao equivalente, dentro da ordem econômica, a um “infarto”: a “estagflação”, combinação de estagnação e inflação. Dito de outra forma, existiria, para cada economia individualmente considerada, um ritmo ótimo de crescimento não inflacionário que garantiria à sociedade ganhos duráveis. Formidável máquina antiestatizante e antiplanificadora, essa teoria original do desenvolvimento sustentável em macro-economia levou, inicialmente, a “purgas monetárias” que estancaram o crescimento por alguns anos (os dois primeiros anos da era Reagan, 1980-1982, por exemplo) e a reformas que reduziam o poder das autoridades políticas em benefício de Bancos Centrais fortes e independentes.
Desorientados por essa vitória espetacular do pensamento liberal no final dos anos 70, alguns economistas anglo-saxões de esquerda, mais individualistas que a geração precedente e mais consciente, também, dos grandes danos econômicos e sociais provocados pelo gigantismo dos estados socialistas, sobretudo a União Soviética, preferiram responder a Milton Friedman e seus discípulos não refutando, mas reinventando seu novo paradigma: sim, realmente existe, em matéria de crescimento, certos limites que não devem ser ultrapassados, mas eles não são exclusivamente quantitativos e monetários mas, antes de tudo, qualitativos e ambientais. Se esses limites não forem respeitados, o crescimento se voltará contra ele mesmo.
Os bens não divisíveis que são o ar, a água, a clorofila dos vegetais, mas também a infra-estrutura básica e a produção de energia, não podem ser inteiramente entregues à produção privada. Esses “novos economistas” mostravam os limites para as trocas comerciais de bens não renováveis, cujo preço não integrava sua virtual escassez no longo prazo. Desta forma estava restabelecida a necessidade de um planejamento estatal para produção e consumo de certos bens e se deflagrava, no plano teórico, uma nova síntese entre mercado (no curto prazo e para bens renováveis facilmente, assim como “divisíveis” entre indivíduos) e planejamento estatal (no longo prazo e para bens difíceis tanto de renovar como de dividir). O socialismo foi então salvo do desastre soviético pela ecologia.
A noção de desenvolvimento sustentável, sob essa forma, surge como incontestável e, portanto, irresistível: mas como seria possível planejar as ações dos atores econômicos sem impor sanções aos eventuais “contraventores” desse planejamento global? A impunidade levaria os Estados “virtuosos”, cumpridores do planejamento, a se auto-imporem sacrifícios vãos, já que os Estados “contraventores” poderiam ignorá-lo. E quais seriam esses “contraventores”? O espectro é muito amplo: iria das centenas de milhões de agricultores e pecuaristas do terceiro mundo, que praticam queimadas e desmatamento para preparar o solo, às centenas de milhões de automobilistas poluidores do norte do planeta, passando pelos mineiros de carvão e industriais do mundo ex-socialista.
A partir desse impasse nascem as mais pesadas e inoperantes demagogias. Entretanto, alguns grandes princípios vêm surgindo à tona neste debate, em geral confuso e verborrágico, mas nenhum deles é de fácil operacionalização. Por exemplo, É possível interromper o desmatamento da Amazônia, desde que seus habitantes sejam pagos diretamente para lhes conservar e reflorestar. Sem essa subvenção direta, que deveria ser globalizada, os agentes econômicos, grandes e pequenos, buscarão maximizar sua renda em detrimento do planeta.
Como numa bicicleta, humanidade tem superado, desde o início dos tempos, os desequilíbrios constantes do avanço em direção à melhoria de suas condições materiais de vida. Somente grandes saltos tecnológicos nos domínios da produção de energia, da biotecnologia e do controle do clima, obtidos por meio de grandes programas de desenvolvimento científico de natureza estatal, serão suscetíveis de superar as dificuldades atuais. Infelizmente, porém, são raros os adeptos do desenvolvimento sustentável que têm essa confiança nos progressos da ciência e tecnologia.
(*) Engenheiro, leonam@eletronuclear.gov.br
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